Não sei exatamente o que me aconteceu...ou está me acontecendo...
Talvez o desejo de sentimentos mais sutis, mais suaves, menos reacionários, como aqueles que invadem todas as publicações, no HOJE dos acontecimentos.
Todo mundo quer estar CONTRA alguma coisa ou CONTRA alguém!
Agora estou cansada! Quero estar A FAVOR de algo que nos console, que nos alimente, que nos devolva a serenidade, que crie um aconchego com sabor de ninho de passarinho...Algo macio como música italiana, ou sorvete de pitanga, ou um gesto delicado como passar a mão pelos cabelos de alguém querido...Estou carente, está claro, mas é que a situação não está fazendo graça para ninguém rir!!
Outrora encontrei, na minha infância, elementos que me trouxeram harmonia e paz de espírito. Embora o fim do ano esteja longe, resolvi reeditar o que escrevi. Talvez a fonte na qual encontrei a água milagrosa (que bebi com muito gosto) esteja em crise e me impeça de criar algo NOVO.
São apenas reminiscências..
Promessa é dívida
4DEZ
Prometi que voltaria ao tema ”Minha infância”…
Quando o caminho já se faz longo e a paisagem vivida vai aos poucos perdendo a nitidez, há sempre algo que fica indelével. Na maioria das vezes é algum momento admirável, lembrança que se reproduz com forte dose de encanto. De repente nos apercebemos sorrindo.
O poeta define: “Vontade de ver de novo alguém sabido chamou saudade”, e outro completa com delicada poesia, falando de “um sonho lindo perdido na madrugada, quando a saudade vasculhava a gaveta do coração”…
Esclareço que não compreendo minhas lembranças como sonho perdido, nem mesmo como saudade.
Parecem mais uma foto com som e imagem, melhor dizendo,umfilme com trilha sonora, no qual um bando de pirralhos cantava com gosto, sob a batuta de um indisciplinado maestro. Não havia cobranças…O que nos movia era o prazer de conhecer belas músicas e cantá-las como as entendíamos. Não havia limites. Ninguém temia nem recuava diante do desafio de um idioma estrangeiro… Assim era, como nos parecia! …e estranhos “dialetos” iam-se sucedendo nas animadas noites, após o jantar.
Bastava um disco ( e eram muitos!) na “vitrola” e a função começava. Espetáculo diversificado, não havia escolha prévia. Tudo era bom: tango argentino, românticas músicas italianas, a imensa variedade das deliciosas, e às vezes dramáticas , composições do nosso cancioneiro popular…e até, (podem crer!) óperas.
Não havendo Dvds, ficávamos por conta da nossa imaginação. As aulas de piano, extremamente metódicas, não se aproximavam, nem de longe, dos nossos “saraus” improvisados. Crescemos apreciando a Música e todo o bem que ela nos traz. Teoria, solfejo, harmonia, bemóis, sustenidos, bequadros, são coisas para os iniciados, nunca nos seduziram.
Costumo imaginar que, se em vez de piano, tivessem nos aproximado do violão, as coisas, digo, a vida teria tomado um outro rumo…
“Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”…
Naquele tempo (tem gosto de coisa sagrada!) apreciávamos e curtíamos adoidado a voz de Mario Lanza e o ajudávamos a gargalhar na ópera Pagliacci…ou La donna é mobile, Ave Maria, Santa Lucia, Granada, eram canja para nossas gargantas e o nosso entusiasmo. Carlos Gardel e Nelson Gonçalves tinham espaço cativo no nosso “palco”: quanto mais dramático o tango, mais sucesso fazia! …Coração Materno, Porta Aberta e “dá-lhe” Vicente Celestino que, na preferência de meu pai, perdia para Francisco Alves. E tinha mais Orlando Silva, Carlos Galhardo, Silvio Caldas, para momentos de seresta!
Dalva de Oliveira, Ângela Maria, benditas entre as mulheres. Ima Sumac, a princesa inca, com sua voz única! Dizia-se que ela aprendera a cantar indo para a floresta imitar os pássaros…e a nossa imaginação a acompanhava em suas andanças.
Não, não é saudade, é revivência. Basta que se ouçam novamente essas canções , o tempo retorna e o filme começa.
A música clássica – assim eram chamadas aquelas tocadas pelas grandes orquestras sinfônicas recheadas de violinos, violas, cellos, oboés, fagotes,trompetes e tubas, piano, harpa e o pretensioso prato, pontuando o arrebatamento! – hoje “dita erudita”, escreveu um capítulo à parte na minha memória musical e afetiva.
Sei que não havia o objetivo de nos fazer mais “cultos” e sim mais sensíveis ao que nos torna felizes.
Grande homem, o nosso “maestro”!
Deixo para vocês um pouco da minha recordação.
Numa tradução livre:
Representar!
Ainda preso ao delírio não sei o que digo e o que faço!
E ainda…é do ofício…Esforça-te!
Bah!! És um homem? Tu és palhaço!!
Veste a fantasia e pinta o rosto de branco
As pessoas pagam e querem rir…
Se Arlequim te rouba Colombina,
Ri! Palhaço!
Alguém há de aplaudir.
Transmuta em graça o espasmo e o pranto!
Em soluços , o desgosto e a dor!
Ah! Ri palhaço! …sobre teu amor dilacerado!
Ri da dor que envenenou teu coração!
Achávamos esta interpretação O MÁXIMO!!! E continuo achando!
Por outro lado, encontrei este vídeo maravilhoso e partilho com vocês, agregando delicadeza ao período festivo do ano que se finda.