quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

ENCONTRO

Encontrei Aline. Sentada em um banco, fitava o horizonte que se escondia além do mar.
Absorta, pareceu-me não se ter dado conta da minha chegada. Era como se esperasse algo surgir lá do longe.

Sentei-me ao seu lado mas nada falei... aquele momento era só dela.
De repente, olhou-me... Havia, em seus olhos, um misto de espanto e desânimo. Pareceu-me ver neles o mesmo olhar desencantado de Chico quando compôs e quando canta: "Estou vendendo um realejo..."

-Sabe, Dinah, acho tinha razão aquele meu amigo quando me escreveu:
"Escolheste uma ingrata via de expressão nesta época tão desdenhosa com a palavra. São tempos impiedosos de gente que caminha para o pódio sem perceber o abismo que lá se esconde. São tempos de imbecilidade cega, muda e surda - não obstante a profusão caótica de imagens, de falastrões e do barulho permanente....... Continua a lançar ao oceano tuas garrafas de náufrago..."

Deixei-a falar. E falou... e falou... calmamente, como alguém que se despe... ou se despede.

Era a voz do poeta não compreendido. Aquele a quem se referiu T. S. Eliot:
"Profetizai ao vento, ao vento apenas, pois só o vento ouvirá."

Segurei levemente a mão de Aline e ali esperamos a tarde adormecer.

Foi para ela que escrevi:

Não ofereças

Guarda para ti
o que em ti é mais precioso.
Guarda para ti
os teus tesouros.
As tuas pérolas,
não as distribuas,
sob pena de vê-las
pisadas e abandonadas
... ou esquecidas.

Em algum tempo,
Em algum lugar,
Em algum silêncio
um ouvido atento
escutará os sons
que suspiraste um dia
e, em passos lentos,
se aproximará dos cantos
que cantaste, e assim,
talvez ferindo-se
em espinhos tantos,
se chegue à beira
do límpido regato
nascido de tua cristalina fonte.

Não. Não ofereças da tua água.
Deixa que alguém, com sede,
dela precise mais, até,
do que da própria vida.
E aí, só aí,
a tua água terá sabor divino
e as tuas pérolas vão
fulgurar de encantos
e o teu tesouro encontrará destino.

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