terça-feira, 27 de janeiro de 2009
... uma tarde com O Poeta de Hollanda
No meu velho baú
de lembranças apagadas
alguém surgiu acima
de qualquer lembrança.
Tal como o sol
que, vívido, ilumina
paisagem antes mergulhada em sombras.
Passado enegrecido
pela fuligem do tempo
-ou mágoas acumuladas
qual cobertor de gelo,
fossilizando o que , um dia, foi vivo.
Hoje, perdas e danos,
ao esquecimento.
Há um novo samba,
e " o próprio tempo vai parar pra ouvir'"
e nesta roda de bamba
o maestro é a alegria.
Sem máscaras
Sem fantasias.
Há um novo samba a ser cantado,
é verdade, pois vem aí bom tempo!
Explodindo no peito
uma vontade enorme
de tomar a mão de cada irmão,
fazendo-o cantar também.
Traga-me um violão
antes que o amor acabe!
Vejo que a roda continua aberta
e todos são convidados,
antes que a vida acabe!
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Tem mais samba no encontro
que na espera…
Tem mais samba no porto
que na vela...
Tem mais samba o perdão
que a despedida…
Tem mais samba nas mãos
do que nos olhos…
Tem mais samba no chão
do que na lua.
O bom samba
não tem lugar nem hora.
O coração de fora samba sem querer.
Se todo mundo sambasse
seria tão fácil viver!
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É tão bom abrir a janela para o novo dia…sem mágoas, sem fuligens… e com um bom samba no coração !
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Abissal distância
Em amor,
sou gueixa,
mãos abertas, espalmadas,
serviçal enamorada
total disponibilidade.
Bandeja abarrotada
de frutas a escolher.
Árvore de sombra acolhedora
sou rede
sou lareira
em tempo de rigor invernal.
Sou riacho no calor
sereia de canto doce
fazendo adormecer.
Berço que aninha e agasalha
sou brasa que arde e queima
deixando marca infernal.
Mas…
Sem amor
Sou estrela inalcançável
Sou miragem no deserto
Fortaleza inexpugnável
Sou porta acorrentada,
acesso intransponível,
fosso cheio de serpentes.
Cerca de arame farpado
Nem um gesto acolhedor
Nada, nada a oferecer
Se a jornada
é um convite a dois,
há que ter devotamento,
fazendo nascer roseiras
onde só havia espinhos.
Fazendo cair a chuva
que vem emprenhar a terra
reflorescendo o caminho
…e a viagem se faz divina.
Aline Dichte
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Eis aí mais um poema da minha amiga Aline.
Enquanto ela não tem o seu próprio blog, vamos dividindo este espaço. É um prazer para mim e para os nossos leitores. Espero que seja do agrado de todos essa energia especial que dela emana.
Um beijo.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Que siga la fiesta!
Talvez por isso, ou pelo rumo que tomaram as últimas interferências enfocando as Musas gregas, inspiradoras das Artes, vejo-me obrigada a homenagear nossos Artistas.
Há algum tempo escrevi para eles, citando alguns, mas referindo-me a todos:
AOS ARTISTAS
Durante sempre,
o ser humano escorregou
em máximas não convincentes.
E depois, tranquilamente,
tem que revisar seus ditos
e se penitenciar, com calma:
" O corpo é o cárcere da alma"
Reconstruo:
" O corpo é o palco da alma"
Se não fora,
por onde a alma iria se expressar?
Vede:
Os olhos são do corpo
... e o olhar? É da alma!
Os lábios são do corpo
mas o sorriso é pura alma
As mãos são do corpo
...e o afago? É da alma.
E assim com
o aplauso e a alegria
a lágrima e a tristeza
os dedos ao violão...e a melodia
o rosto do ator...e as emoções.
Como, sem o corpo, atingir os corações?
A voz é o som articulado
mas o verso e a canção
são o corpo sublimado
e, em alma, transfigurado.
E a dança?
Movimentos corporais
tal harmonia possuem
que nos transportam a alturas
inimagináveis.
O corpo vibra com a Vida
Se transmuta em passarinho
Suga a leveza dos ventos
...faz-se brisa ou torvelinho.
É o mundo-encantamento.
Há poucos dias eu li:
" En el principio Dios creó el ritmo
y dijo:
Todos a bailar!
Al compás del amor!
Y vio Dios todo o que habia hecho
y dijo:
Esto está buono! Qué siga la fiesta!"
Como exigir de Margareth:
Só cante!
E, para Ney, fera e colosso:
Aquiete-se!
E para as crianças lindas
que, ouvindo o som, se embalançam?
Mesmo o corpo envelhecido
abriga uma alma incrível
quando encontra boa música
e se permite voar...pois dançar é flutuar!
...e , muitas vezes, orar...
O Rei Davi que o diga!
E a divina oração africana!
E os ritos ancestrais?
E as danças circulares?
Qué siga la fiesta!
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
ENCONTRO
Absorta, pareceu-me não se ter dado conta da minha chegada. Era como se esperasse algo surgir lá do longe.
Sentei-me ao seu lado mas nada falei... aquele momento era só dela.
De repente, olhou-me... Havia, em seus olhos, um misto de espanto e desânimo. Pareceu-me ver neles o mesmo olhar desencantado de Chico quando compôs e quando canta: "Estou vendendo um realejo..."
-Sabe, Dinah, acho tinha razão aquele meu amigo quando me escreveu:
"Escolheste uma ingrata via de expressão nesta época tão desdenhosa com a palavra. São tempos impiedosos de gente que caminha para o pódio sem perceber o abismo que lá se esconde. São tempos de imbecilidade cega, muda e surda - não obstante a profusão caótica de imagens, de falastrões e do barulho permanente....... Continua a lançar ao oceano tuas garrafas de náufrago..."
Deixei-a falar. E falou... e falou... calmamente, como alguém que se despe... ou se despede.
Era a voz do poeta não compreendido. Aquele a quem se referiu T. S. Eliot:
"Profetizai ao vento, ao vento apenas, pois só o vento ouvirá."
Segurei levemente a mão de Aline e ali esperamos a tarde adormecer.
Foi para ela que escrevi:
Não ofereças
Guarda para ti
o que em ti é mais precioso.
Guarda para ti
os teus tesouros.
As tuas pérolas,
não as distribuas,
sob pena de vê-las
pisadas e abandonadas
... ou esquecidas.
Em algum tempo,
Em algum lugar,
Em algum silêncio
um ouvido atento
escutará os sons
que suspiraste um dia
e, em passos lentos,
se aproximará dos cantos
que cantaste, e assim,
talvez ferindo-se
em espinhos tantos,
se chegue à beira
do límpido regato
nascido de tua cristalina fonte.
Não. Não ofereças da tua água.
Deixa que alguém, com sede,
dela precise mais, até,
do que da própria vida.
E aí, só aí,
a tua água terá sabor divino
e as tuas pérolas vão
fulgurar de encantos
e o teu tesouro encontrará destino.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Amores
Refletindo sobre amores
A minha proximidade com Aline Dichte tem-me permitido observar e absorver suas concepções sobre diversos temas.Por esses dias conversamos sobre o Amor.
Embora não se considere especialista no assunto ela deixou-se levar (e o citou textualmente) por Riobaldo Tatarana que afirmava:
…”eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa…”
Consegui pescar alguns versos…
Que pensa ela sobre amores não correspondidos? Acerca de decepções do coração?…Ou intensos amores inesperados?
Com Aline , a palavra…mas não me perguntem se são experiências vividas ou fantasias sentimentais de uma alma poética que não se contenta com um cotidiano insosso e sem emoções ardentes.Não me perguntem, não saberia dizê-lo.
Não haverá ilustração.Às vezes a ilustração se sobrepõe à palavra…E a poesia sofre!
Horizonte perdido
Vislumbrei-te em meio a campo aberto.
Qualquer direção era a certa.
Podia correr
cantar
recolher frutos e flores
…e risos.
Podia dançar em qualquer ritmo
em suaves e infindáveis melodias.
Era a festa!
Em momento sombrio surge a estrada
-estrada delineia e delimita rumos-
Mais sombrio ainda
o momento das placas:
Não ultrapasse quando a faixa for contínua
Curva perigosa à frente
Limite a velocidade
Mantenha distância
Tráfego impedido
Cuidado! Longo trecho em declive!
E a mais terrível descoberta:
Era via de mão única!
Aline Dichte
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Sutil, não ? Quem nunca passou por isto?
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
A quem interessar possa
Há um tigre em minha cama
defendendo o meu direito de estar só.
é apenas de mentira.
Mas sabe rugir
e fazer cara de mau
amedrontando
a coragem do inimigo.
Gosto demais de estar contigo
Porque
gosto demais de estar comigo.
Aline Dichte
domingo, 4 de janeiro de 2009
Ariadne I
Imaginação…
Fina geléia translúcida
onde o sagrado se nutre
onde a arte germina
onde a loucura passeia
onde a tristeza termina
onde tudo pode acontecer
onde projeto a minha sina.
Existo, logo penso…
e pensando vou criando
vou traçando, construindo.
Ariadne incansável
vou tecendo a imensa teia,
o intrincado tecido
onde imprimo meu destino.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
Bom dia!
Por sobre o muro
ele me falou:
“Bom dia!”
Bom dia, eu respondi.
Quem me dera que assim fosse
Bom dia por todo o campo
em que ele pusesse os olhos
Toda a Terra sorriria
se espalhando
e espelhando o sorrir
de todo mundo
e o sorrir do mundo todo…
Que alegria que seria
poder cantar com o Sol
quando canta o arrebol…
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Que cada dia do ano que chega seja o dia bom para todos nós.