Mais um pouco de Guimarães Rosa...
...e lá vamos nós acompanhando Riobaldo Tatarana, pelos grotões do sertão, lá onde "cobra desfecha desferido, dá bote...(...) onde ruindade enorme acontecia...(...) onde, sem querer, a gente rosna..."
No oco dos grotões " há coisas medonhas demais..".(... ) e aprende-se que" dor do corpo e dor da idéia marcam forte..."
Mas é lá que também se descobre:
" ...o mais importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas estão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior ."
E ainda:"...só nos olhos das pessoas é que eu procurava o macio interno delas; só nos onde os olhos."
" Vivendo se aprende; mas o que se aprende mais, é só fazer outras maiores perguntas..."
Lá, nas securas nordestinas , Tatarana pode chegar à conclusão:
" Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
Qualquer pergunta de Tatarana, ele mesmo a respondia...parece-me que seu interlocutor, eternamente silencioso, estava abismado demais para se manifestar.
...E, em determinado momento, Tatarana , confiando que " qualquer saudade é uma espécie de velhice" , cisma sobre:
" Quando é que a velhice começa surgindo de dentro da mocidade..."
Ele não me perguntou, mas eu me arvoro, por autoridade própria, em responder...
Quando...
É quando a dor se entranha,
se intromete num viver,
cria raiz, sem licença,
não se considera estranha,
resiste de ir embora
sabendo ser, ali, seu porto,
ali seu ponto final?
Ou quando o branco carece
de cobrir todo o cabelo,
nevando sem dó nem pressa,
no domínio do inverno,
que traz seu manto fatal,
desconsiderando a mente,
moendo o lembrar, lentamente?
Quando as rugas se definem,
riscando um mapa ou uma teia,
marcando o rosto tristonho,
cobrando tempos vividos,
lembrando como num sonho,
rios, córregos, riachos,
outrora já percorridos?
Velhice...
Parece-me ser muito mais
que somente estes sinais
que acompanham toda gente.
A velhice chega, sim,
encobrindo a mocidade
...quando o olhar já não faz grude
com o luar...
Quando o coração já não estremece
com o amanhecer...
Quando incomoda o canto do sabiá...
Quando a justiça tanto faz de acontecer...
Quando o amanhã já não traz
o ímã de sonhar...
Quando o olhar já não procura
um outro olhar...
Quando alguém se vê cansado de viver...
Mocidade há
quando ainda se acende o olhar...
Quando a admiração é lei suprema...
Quando as mãos ainda se abrem...
Quando o coração ainda se aquece...
Quando há vontade de cantar...
Quando a fé ainda teima...
Quando o amor ainda floresce...
Quando a criança, em nós, ainda cresce!
...e aí está a minha ousadia em dialogar com o poeta...
Falta somente chamar a atenção para algo muito importante:
...A linguagem, o estilo único e inconfundível de Guimarães Rosa...
Mas isso é um enigma que o leitor tem que desvendar sozinho.
Ler este livro é uma aventura que nos leva a "achar outras verdades muito extraordinárias."
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