...apesar de toda água que desce sobre a minha terra, o meu tema permanece:
FLORBELA ESPANCA,
poetisa alentejana , natural de Vila Viçosa, deixou a vida (por vontade própria)
na mesma data em que à vida compareceu.
Marcada pelo paradoxo, Florbela vivia em constante conflito entre o que idealizava e o que conseguia realizar.
Seus sonhos, desejos, sentimentos, pensamentos, atitudes e realizações se digladiavam em uma arena constante.
...E o resultante: sofrimento!
"Ninguém é definível numa só dimensão, num só conjunto de qualidades. Todo ser é uma intersecção de adjetivações diferentes e até opostas" (Diogo de Souza, filósofo português).
E assim se pode dizer de Florbela...
No último ano de sua vida escreveu um diário. Entretanto o utilizou de maneira escassa e, sobre ele, ela afirma não ter qualquer objetivo, mas espera que..."Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo - uma alma - se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui ou o que julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer-me."
Eu
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que que o soubesse, não o dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via !
................................................................
Assim, jovem, sofrida, ao que parece, carente não somente do amor de alguém, mas também do amor a si mesma (para alguns analistas da sua obra isto se revela como o transbordar dos limites de uma personalidade única)...vai por aí , a poeta.
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber pra onde vou !
Esta ausência de si mesma, entretanto, não foi maior que o desencontro amoroso em que viveu.
A linguagem poética é muito forte e nos atinge de várias maneiras...
Há versos possuídos da maciez da pérola... e os nossos "dedos" se comprazem em afagá-los, deliciados com a sua delicadeza...
"O contrário também bem que pode acontecer "(Gil)... E há versos que, ao tocá-los podemos queimar as mãos...
São como pedras vulcânicas recém saídas do ventre da terra. Há algo de corrosivo em suas palavras... Um ímpeto que, por ser intempestivo, pode incomodar.
Com certeza os versos de Aline Dichte se revelam neste código, algumas vezes ...
Que disse ela a Florbela Espanca?
Que diálogo emocionado resultou desse confronto?
Que versos da portuguesinha provocaram Aline?
Talvez este soneto?
Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre de minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel
que nada existe que a mitigue e a farte!...
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar, que não me amas...
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...
A reação de Aline não se fez esperar:
PARA FLORBELA
Não gosto de ti, mulher.
Mulher que espalha versos...
Versos que fervilham amor,
Amor que é muito mais que amor.
Há uma química cruel
- de violência, de mágoa, de alegria -
disfarçada de delicadezas.
Uma só gota do que dizes
corrói toda lucidez.
Por seres fiel espelho
custa-me muito encarar-te.
Escancarar, despudoradamente,
a alma feminina,
como tu fazes, é traição.
Não quero ouvir-te,
nem ver-te
nem saber-te, ali parada,
no limiar da minha própria verdade.
Amar assim, loucura, é o que é...
Mais que loucura,
é quimera, é fantasia.
Ao olhar teus olhos,
em dores me consolo:
Amar assim só serve à poesia !
Eu, Dinah, gostaria de compreender e ajudar ( que anacronismo!), e fiz
CRÔNICA para FLORBELA
Pobre pequena poeta portuguesa...
Linda... Jovem... -" Uma flor! " vaticinou alguém
vendo-a recém-nascida
...mas , como uma flor, consumiu-se
em fugaz primavera.
Uma vida pela frente,
deixou-se abater...
Deixou-se minguar...
e quase enlouquecer.
A miragem incansável
as suas forças minou.
Que falta de lucidez !
Injusta consigo mesma
viu, fora de si, sua sorte.
Supôs, além de si, um ideal
sem perceber que,
buscando o inatingível,
perseguia a própria morte.
Nesse caminho sem volta
a bela flor se perdeu.
Tanta vida ao seu redor,
ela, morbidamente, assumiu
a dor de sentir-se só.
E, em vulcão incontrolável,
explodiu a sua dor
em palavras formidáveis.
Amor não correspondido
é ilusão do coração.
Veneno que corrói a alma.
Alma que, por não se conhecer,
não se compreendeu capaz
de vencer até mesmo o mundo,
se necessário se fizesse.
Romper amarras,
sentir-se livre e seguir,
completamente inteira
em uma outra direção.
Que pena, Florbela!...
Perdeste a vida a esmo.
Não tiveste a lucidez
de experimentar, sorrindo,
o " Conhece-te a ti mesmo !"
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